Platôs

13/04/2020 15:28

Ontem em uma conversa despretenciosa, mas sempre profunda, com meu grande amigo Roger Felcíssimo, utilizei-me de uma imagem gráfica metafórica, sobre a qual senti a necessidade de escrever. Especialmente nos momentos de reflexão, alcançamos alguns 'lugares' com nossos pensamentos e palavras que merecem contorno e atenção. Tais ideias podem nos sevir de bússolas ou diretrizes em outras circunstâncias.

 

Na tentativa de explicar ao meu amigo as mudanças pelas quais venho passando - na vida pessoal e profissional - disse-lhe que, era como se minha vida fosse um gráfico e eu estivesse em um platô. No fim dele, segundo minha análise. Confesso que quando imaginei o tal gráfico, imaginei-o tão somente ascendente, com platôs. Mas agora, escrevendo, percebo que o mais verossímil seria imaginar aquele desenho que se forma quando fazemos eletrocardiograma, salvo engano, que oscila entre altos e baixos. Mas com platôs. O que no caso das batidas do coração não seriam um bom sinal.

 

A questão central são os platôs. Esteja numa ascendência ou num descendência, aceite e compreenda os platôs. Eles são extremamente necessários e importantes. Sob a perspectiva da Engenharia Mecânica, temos que platô é "disco que integra o dispositivo responsável pela transmissão da força do motor às rodas de tração". Excelente podermos 'beber' de diferentes fontes conceituais para compreendermos algumas ideias.

 

Em minha confissão ao querido Roger, eu reconhecia que, apesar de entender a imprescindibilidade do platô em que eu me encontrava, eu sentia pulsante a vontade e um movimento quase involuntário de saída dele. Tive uma infância recheada de amor e 'ioiocream', uma adolescência de aprendizados, sempre fui bom aluno, formei, passei em dois concursos públicos, e, mesmo trabalhando, graduei-me em Direito, publiquei livro, dei palestras, casei, divorciei e entrei em um platô...

 

Estar em um platô não significa que nada de bom ou diferente lhe aconteça. Sim, o extraordinário se revela diariamente a nós. Mas é como se tudo ganhasse um contorno de ordinariedade. Você se agrada mais ou menos com as mesmas coisas, satisfaz mais ou menos às mesmas expectativas, atrai e se dá bem com mais ou menos as mesmas pessoas, cultiva e colhe mais ou menos os mesmos valores, contenta-se sempre com mais ou menos as mesmas distrações, sofre mais ou menos pelos mesmos infortúnios, deseja quase sempre os mesmos prazeres... nada o/a leva a outro patamar! Que seja para baixo ou para cima!

 

E, assim como viver, sair de um platô exige coragem. De repensar valores, atitudes, medos, sonhos... E, assim como no exame do coração, permenecer em um platô por muito tempo pode significar a sua morte. E certamente custa a sua vida! Encerrei minha conversa com meu amigo, dizendo-lhe que o platô em que eu me encontrava já estava longo demais. Ele, por bondade ou sabedoria, acho que ambos na verdade, disse que não.

 

O tempo é um mistério em si mesmo. A vida, no entanto, precisa ser tão clara e expressiva, quanto é um gráfico ECG.

 

Raul Roland