A questão só pode ser sociológica

11/09/2021 19:44

Se 'nos tempos do Imperador' alguém perguntasse qual a finalidade dos "títulos", talvez outrem respondesse que eles serviam para impor poder, respeito, acesso à nobreza etc. A meu ver, no entanto, foi o 'jeitinho' colonial de 'sublimar' a questão sociológica. Biologicamente, somos seres humanos; todes. Sociologicamente, somos a confluência da biologia com o contexto econômico, com a etnia, com a condição física e intelectual, com o gênero, com a opção sexual, com a política e com diferentes variáveis que permeiam a nossa existência.

 

Muitas vezes, a sociologia de uma pessoa esbarra na de outra a ponto de incomodar. A classe social, a coloração da pele, a deficiência, a orientação sexual ou até mesmo o gênero podem servir como uma fagulha que culmina em uma explosão, denominada discriminação. A atitude segregatória, normalmente, é antecedida do preconceito, e este, a seu turno, é fruto de ideias distorcidas em relação à realidade reproduzidas historicamente entre as gerações.

 

Assim como os "títulos", ainda no século XXI, buscamos maneiras de subverter os incômodos que a convivência com a diversidade pode nos impor. Nem sempre isso acontece às claras. De fato, esse movimento precisa acontecer de forma velada, pois é jurídica e politicamente condenável e repreensível.

 

Um eventual crime econômico de responsabilidade cuja materialidade não foi comprovada pode servir como desculpa para justificar a atitude machista de deposição de uma mulher presidenta. A velha retórica do comunismo para afastar o acesso dos 'pobres', dos negros, dos pardos às universidades e aos aviões. A leitura restrita do evangelho para repudiar pessoas que não se reconhecem nos gêneros padrões. O capacitismo para manter pessoas com deficiência isoladas.

 

Essas questões se somam à alta inflação, ao enfraquecimento do real, à falta de emprego, ao crescimento da miséria e da desigualdade, à falta de políticas públicas positivas nas diferentes áreas - educação, saúde, meio ambiente etc. Mas não, não discutimos isso, nem de verdade, nem na verdade. A questão só pode ser sociológica.

 

Nenhum governo é totalmente defensável com base na política e na economia por ele empreendidas. É a sociologia que sustenta essa relação, mesmo que não se admita. Na hora de optar por uma diretriz na urna eleitoral não há meio-termo: ou se acolhe a diferença e o diferente, ou não.

 

Raul Roland